Marcelo Andrade
. O que vem a ser ética?Existem
muitas maneiras de definir a ética.
Costumo dizer que a maioria das vezes não sabemos distinguir
precisamente o que vem a ser ética, mas que todos sabemos
muito bem quando ela faz falta. Parece que entendemos melhor
o que é a ética quando ela deveria estar presente,
mas não está. Lembremos aqui dos 157 deputados
indicados para a investigação sobre o roubo
de dinheiro público destinado à saúde,
do advogado que manda sua cliente – ré confessa
do assassinato de seus pais – chorar diante das câmaras
de um programa de TV a fim de comover a opinião pública
ou do jogador de futebol preste a encerrar sua carreira numa
final da Copa do Mundo e que usa sua cabeça para agredir
o adversário e não para fazer gols.
Parece que estes fatos nos ensinam muito mais sobre ética
do que qualquer manual de filosofia. Aprendemos sobre ética
pela sua negação, ou melhor, aprendemos através
da indignação pela qual passamos diante de tais
fatos. “Afinal, onde está a ética com
a coisa pública?!” ou “Este advogado feriu
o código de ética profissional!” ou “Tal
jogador faltou com a ética esportiva!” –
dizemos indignados.
Talvez os filósofos prefiram uma definição
mais clássica e conceitual: ética é a
filosofia moral. Ou seja, existe moral (normas e costumes)
e a reflexão crítica e sistemática sobre
os fundamentos de tais normas e costumes é um campo
de reflexão filosófica que chamamos de ética
ou filosofia moral.
Acho muito importante refletir sobre a ética, até
porque estamos vivendo uma profunda crise no campo das normas,
dos valores e dos costumes. No entanto, o mais importante
para mim é que esta reflexão nasça de
nosso cotidiano, de nossa prática, de nossa indignação
com a falta de algo que percebemos como muito importante,
ainda que não saibamos dizer com a precisão
dos filósofos o que ela venha a ser.
•
Ética e moral são as mesmas coisas? Sim
e não. Sim porque a princípio significavam a
mesma coisa. Tanto ethos (do grego) quanto morus (do latim)
significam normas e costumes. No entanto, os termos começaram
a ser diferenciados no campo filosófico. Há
muitas maneiras de fazer tal diferenciação.
Eu prefiro uma diferenciação que entende a moral
como o campo dos “deveres proibitivos” e a ética
como o das “possibilidades propositivas”. Vejamos
o que isso quer dizer.
A moral se orienta a partir da pergunta: “o que devo
fazer para me comportar com justiça?” As respostas
a esta pergunta podem ser dadas afirmativamente, mas, em geral,
na história do ocidente as respostas foram formuladas
na negativa: não roubar, não matar, não
levantar falso testemunho, não isso e não aquilo.
A opção pela negativa é para se evitar
a dubiedade. Em geral, compreendemos melhor um comando se
ele está na negativa. E talvez um psicopedagogo possa
explicar isso melhor que um filósofo.
Já a ética se orienta a partir da pergunta:
“o que posso fazer para ser feliz?” As respostas
a esta pergunta, em geral, aparecem como projetos, como conselhos,
como convites: ame ao próximo, seja solidário,
participe da vida familiar etc.
Neste sentido, a ética nos apresenta projetos de felicidade,
enquanto a moral nos apresenta exigências de justiça.
• Como a ética se relaciona com os processos de ensino
aprendizagem? É
preciso afirmar, antes de tudo, que sem dúvidas existem
importantes relações entre a ética e
a educação. Poderia aqui destacar algumas possíveis.
Primeiro: todo projeto educacional se orienta por alguns princípios
éticos. É importante ter claro quais são
estes princípios. Ou se tem claro os princípios
de um projeto educacional e assim se alcança uma prática
educativa consciente ou se tem uma prática educativa
confusa e dependente de princípios que talvez não
sejam os mais desejados. Penso aqui naquele professor que
quer educar para a solidariedade e se utiliza de recursos
pedagógicos ou jogos que estimulam a competição
e o individualismo. Às vezes, falta clareza sobre em
que e como se quer educar. A filosofia pode e deve ajudar
nesta tarefa de pensar, estabelecer e esclarecer princípios
éticos para a prática educativa.
Segundo: os deveres morais (obrigações) e os
valores éticos (projetos) não são inatos.
Eles são frutos de processos de socialização
e de aprendizagem. Aprendemos a ser morais e éticos
através de vários meios e um deles é
a educação. Nenhum ser humano nasce eticamente
pronto e ouso dizer que nunca estará. Estamos e estaremos
sempre aprendendo como devemos nos comportar com justiça
e como podemos ser felizes.
Os educadores e educadoras devem ter consciência de
que toda educação se orienta por princípios
éticos e formam as crianças, adolescentes e
jovens nestes princípios. Não existe educação
sem valores. O perigo é não ter clareza disso
e acabar realizando um processo educacional com princípios
poucos éticos ou, pelo menos, duvidosos do ponto de
vista da justiça e da felicidade, que para mim são
os dois principais valores a ser buscados numa educação
plena.Mas, sobre
isso podemos conversar melhor no dia 12 de Agosto.
Em
entrevista a ABPp-RJ, Marcelo
Andrade, filósofo, doutorando em Ciências Humanas
pela PUC-Rio, dá uma prévia de sua palestra na Jornada
de 2006 da ABPp-RJ - A Amorisidade na (In)Disciplina : Ética
/ Valores e Relações Interpessoais no Vínculo
com a Aprendizagem.