Entrevista com professora Maria Clara Sodré S. Gama, doutora em Educação pela Columbia University sobre Altas Habilidades.

Por Tony Carvalho.

Ser um Superdotado significa situar-se acima da média das pessoas em relação a alguma habilidade relevante. Os Portadores de Altas Habilidades (PAH), como também podem ser chamados os Superdotados, são curiosos, criativos e aprendem tarefas com facilidade. Muitas vezes, surpreendem os pais com habilidades precoces, vocabulário avançado em comparação com crianças da sua idade e raciocínios complexos. O que poucas pessoas sabem é que as crianças superdotadas nem sempre são bem-sucedidas. Se a inteligência privilegiada as ajuda a compreender mais facilmente problemas e situações, a falta de orientação pode atrapalhar o desenvolvimento psicológico e criar uma barreira para a inserção social.
Para debater o tema Altas Habilidades / Superdotação, a Associação Brasileira de Psicopedagogia promoverá no próximo dia 8 de abril a Manhã Científica, que terá como palestrante a professora Maria Clara Sodré S. Gama, doutora em Educação pela Columbia University. O encontro está sendo aguardado com muita expectativa em função do destaque que o tema vem ganhando ultimamente e das muitas dúvidas e estigmas que giram em torno do tema. A professora Maria Clara concedeu uma rápida entrevista que serve como uma preliminar para a Manhã Científica do próximo dia 8. Confira:

· Se uma criança aprende tudo de forma rápida e fácil, tem um vocabulário avançado em comparação ao dos amiguinhos da mesma idade ou se destaca em alguma habilidade de forma excepcional, podemos dizer que estamos diante de uma criança portadora de Altas Habilidades?

Essas características são sinais. Mas obviamente, é necessário que um especialista faça uma avaliação para constatar se realmente é uma superdotação. O simples fato de aprender mais rápido não qualificaria uma criança como Superdotada. É muito mais uma questão de grau do que de diferenças imensas. Ou seja, a diferença que caracteriza o aluno Superdotado não é que ele faça coisas que mais ninguém faz. Ele faz coisas numa idade ou numa extensão que não é típica. Por exemplo: uma criança que aprende a ler aos quatro anos. O ato de ler não é uma coisa excepcional, mas sim o fato de que essa leitura seja feita antes da hora. Essa criança pode continuar tendo um desenvolvimento diferente e ser classificada como uma Superdotada ou ficar só nisso, sem apresentar mais nada que a qualifique como tal.

· É comum as pessoas não distinguirem o portador de Altas Habilidades com o Hiperativo, já que ambos são agitados e igualmente rotulados de crianças problema. Qual a diferença entre os dois?

Superdotaçao é uma habilidade maior do que a média. É uma coisa que passa pelo desenvolvimento intelectual da criança. Embora também possa ter um desenvolvimento na área da dança, do esporte, enfim, de uma maneira geral passa pelo desenvolvimento da parte intelectual. O Hiperativo é um problema de comportamento, podendo ser uma criança até mesmo portadora de retardo. O que classifica o Hiperativo é o movimento excessivo, o não conseguir ficar quieto.
Você pode ter um Hiperativo portador de retardo, outro Hiperativo que em termos intelectuais é considerado normal e o Hiperativo que em termos intelectuais é considerado Superdotado. São dois enfoques diferentes: em um você aborda o potencial intelectual e no outro é abordado uma mobilidade excessiva.
Isso dito, muitas vezes, o Superdotado é chamado de Hiperativo, embora ele não seja. Tudo porque tem interesses em muitas coisas e quer fazer um pouco de cada, ou porque a sala para ele é muito chata e há um desinteresse pela aula.
Resumindo: o Hiperativo não é capaz de ficar quieto. O superdotado é, a menos que seja também um Hiperativo.

· Há um estigma de que todas as crianças Portadoras de Altas Habilidades são nerds?

Alguns Superdotados, sobretudo o que a gente chama de talento acadêmico, são crianças que vão muito bem na escola. E a escola, infelizmente, não reconhece como uma coisa positiva. O que deveria ser feito? Até por lei é exigido, mas não é feito. A criança Superdotada tem o direito de ter uma adaptação do currículo para ela. Portanto, ela deveria estar vendo coisas mais complexas, com desafios maiores. Como ela é deixada na sala de aula com crianças medianas, que aprendem num ritmo mais lento, ela está sempre na frente dos outros e aí, acontecem duas coisas: ela pode estar sendo chamada de nerd por estar sempre respondendo à frente dos outros ou porque a professora valoriza demais dizendo frases como: “Eu tenho certeza que o Joãozinho sabe...” ou “Se o Joãozinho sabe, por que vocês não?”. Com isso, a professora cria esse estigma, causando um mal-estar entre a turma e a criança Superdotada. Há também casos em que, para não ser estigmatizada, a criança Superdotada esconde sua capacidade. Ou seja, ela não mostra na escola aquilo que é capaz de fazer porque não quer ser estigmatizada. Os dois casos são lamentáveis. A escola precisa fazer alguma coisa a esse respeito.

· É comum o Superdotado passar por dificuldades no relacionamento social e ficar isolado do grupo?

Isso não acontece com todos. Alguns Superdotados têm um potencial muito acima das outras crianças na área do conhecimento acadêmico, porque têm interesses que não interessam a crianças de sua idade. Isso acontece muito quando eles são pequenos. Aos poucos, eles vão aprendendo a se relacionar, mal ou bem. Vou citar um exemplo: no ano passado, avaliei um menino de três anos, extremamente tímido, que adora assuntos ligados a planetas, astros etc. Arranjei, então, um livro sobre o assunto para despertar interesse na criança. O livro era indicado para a faixa etária de três anos. Ele me perguntou: “Tem galáxias elípticas no livro?” O que você acha que acontece quando ele faz essa pergunta a outra criança da idade dele?

· Alguns especialistas defendem o teste de QI para descobrir traços de Superdotação na criança. O que a senhora pensa a esse respeito?

O teste de QI é um tipo específico de teste que, sobretudo, testa aquilo que durante muito tempo se acreditou ser toda a extensão da inteligência. Os teóricos que estudam a questão da inteligência achavam que existia um fator, chamado fator G, que era responsável por todos os comportamentos inteligentes. Então, foi criado vários testes que conseguiam avaliar o indivíduo nesse tipo de pensamento. Hoje em dia, se acredita que a inteligência é muito mais do que isso, pois o teste de QI testa apenas um aspecto da inteligência e não avalia tudo que está envolvido. Hoje em dia, os novos estudiosos acham que existem outras maneiras de avaliar a inteligência. Vai depender qual o referencial teórico do profissional. Eu, particularmente, não considero o teste de QI a melhor solução. Há outras maneiras. Para avaliar um Superdotado, tem que ser alguém com formação nessa área.

· Quando se fala em Superdotado, a primeira imagem que se tem é de tratar-se um gênio. Qual a diferença entre os dois?

Trata-se de uma questão semântica. Eu considero que gênio é a pessoa que transforma uma área de saber. O Einstein mudou a Física. A Teoria da Relatividade mudou toda a concepção da Física. E agora o britânico Stephen William Hawking, com paralisia múltipla, mudou novamente os rumos da Física. Para mim, esses são gênios. Existem gênios da música, da pintura e de outros segmentos. Quando falamos de Superdotado, estamos falando de dote, de habilidades que a criança apresenta. Resta saber se essas crianças quando crescerem serão adultos produtivos ou não. Ou seja, ela tem habilidade, mas será que se tornará uma pessoa produtiva, acima da média? Ela irá se transformar num gênio? Claro que pouquíssimos vão se tornar gênios.

· O papel da família e da escola diante de Portadores de Alto Habilidades é fundamental. Eles precisam de estímulos e atenção extra para o desenvolvimento do potencial. A senhora concorda com essa afirmação?


Sim, mas sobretudo, a criança portadora de Altas Habilidades precisa ser desafiada. Ela necessita de desafios intelectuais. A criança superdotada tem o direito, assim como todas as crianças, de estar aprendendo na escola. Ela não pode ficar numa sala de aula sem aprender nada. Se isso ocorrer, estão tirando um direito dela que é o direito de aprender.


 

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